terça-feira, 14 de agosto de 2007

A Noite em que Eu Morri



Esta história que lhes conto não é ficção, aconteceu comigo há um ano atrás.
Era uma fria e tediosa noite de sábado, como todas as minhas noites de sábado costumavam ser. Estava eu sozinho em meu apartamento, sentado em minha poltrona, passeando pelos canais da televisão, enquanto acabava com minha última garrafa de uísque. Levei a mão ao maço de cigarros, na mesa ao lado da poltrona que, para meu azar, estava vazio. Não é novidade para os meus conhecidos que não vivo sem meus cigarros. Já era tarde, mas há uma loja de conveniência que funciona 24 horas próxima ao meu apartamento onde eu sempre faço essas minhas compras emergenciais.
Desliguei a televisão, peguei as chaves sobre a mesa ao lado da poltrona, meu chapéu e meu casaco no mancebo. Saí e tranquei a porta. O elevador já me esperava de portas abertas. Quem deve tê-lo chamado, não sei. Mas isso não era importante. Desci do elevador e segui pelo saguão, até a saída do prédio.
Na rua, estava mais frio que de costume. Eu particularmente não gosto do frio, mas também não suporto o calor. Aprecio o meio termo. Caminhei até a loja com uma certa pressa (tenho o costume de andar rapidamente pelas ruas, ainda mais numa hora daquelas).
Chegando na loja, apanhei logo uma garrafa de uísque (que por sinal havia subido o preço novamente) e me dirigi ao caixa para pagar e apanhar um maço de cigarros. Comprimentei Herbert (o caixa, já sou conhecido no local), paguei e apanhei as mercadorias que ele havia colocado em uma sacola. Em seguida deixei a loja.
Abri o maço, e acendi um cigarro. Dei uma tragada e expulsei a fumaça dos pulmões. Se há um motivo que me faria parar de fumar, esse seria a fumaça do cigarro. Às vezes tenho a impressão de que ela forma rostos. Rostos que sorriem para mim. Eles são assustadores.
Olhei no relógio, já era uma hora da madrugada. As ruas estavam estranhamente calmas para aquele horário. “Também, com esse frio”, pensei, e segui caminhando com passos rápidos, como sempre, em direção ao meu apartamento.
Chegando na porta do prédio levei a mão ao bolso para pegar as chaves e fui suprendido por um objeto encostado as minhas costas e pelo grito, que dizia “Me dá tudo o que tu tem, filho da puta!”. Eu, com o álcool na cabeça, não pensei duas vezes e virei-me rapidamente, quebrando a garrafa de uísque na cabeça do infeliz. Heheh... que falta de sorte a minha. O assaltante não estava sozinho; tinha um parceiro. Este, também munido de um facão (e onde andam as armas?), não pensou duas vezes: enterrou-a em meu abdômen, perfurando-o profundamente, e retirou-a em seguida fazendo um movimento para um dos lados, provocando um corte horizontal. Caí no chão e os dois fugiram, o outro ainda tonto pela garrafada que levara.
Estava eu caído no chão, quase que em posição fetal. Sentia um líquido quente subindo pela garganta e derramando pela boca. Era sangue. Levei as mãos ao estômago e sentia o sangue que saía e que espirrava a cada vez que eu tossia. Meus intestinos haviam saído para fora. Eu os segurava com as mãos e os pressionava contra a barriga, numa tentativa inútil de colocá-los em seu lugar.
A dor era indescritível. Sentia vontade de gritar, tamanha ela era, mas não conseguia. Apenas tossia, se afogando em meu próprio sangue, que saía abundantemente. Sentia sede, muita sede.
Eu sabia que não havia mais volta. Sabia que ninguém viria me socorrer e que, mesmo se viesse, seria inútil. Apenas aguardava a morte, mas parecia que até esta havia me abandonado.
Já não sentia mais dor, não sentia mais nada. Minha visão foi escurecendo aos poucos. Finalmente aquilo tudo estava chegando ao fim. Mas, quando pensava que estaria tudo acabado, tive uma surpresa. Um vulto vinha em minha direção, se aproximando cada vez mais. Era uma pessoa. Uma mulher. Ela se agachou, olhou em meus olhos e sorriu, estendendo a mão para mim. Estranhamente, consegui erguer minha mão, alcançando a dela. Ela me ajudou a levantar. Já não havia mais dor, não havia mais sofrimento. Ainda com sua mão junto da minha, caminhamos pela cidade, sem dizer nenhuma palavra. Palavras não precisam ser ditas quando se pode sentí-las.
E hoje, como havia dito, há praticamente um ano após o ocorrido, estou aqui lhes contando este fato. E que acreditem os que quiserem. Tudo o que aconteceu após o que lhes contei não merece atenção, já que não é nada que um homem que possua coração não tenha vivido. E aqui estou eu, sozinho, nesta noite fria e tediosa de sábado, como todas as minhas noites de sábado costumavam ser. É, bem sei. Chegou a hora de morrer mais uma vez.
Você não me vê.
Será que pode me ouvir?